Memes de internet e suas temporalidades de produção e consumo

Memes de internet circulam pelas redes em grupos de peças de mídia, que vão relacionando-se seja por um tema em comum, uma determinada imagem, ou por sua estrutura narrativa, em um fluxo de reapropriação a ser repetido por cada pessoa que lança um nova peça na rede, visando fazer parte de uma conversa. Eles podem surgir simultaneamente em vários pontos da rede, agrupar-se localmente em torno de um tema, ou aparecer sem que haja qualquer previsibilidade de tempo. Suas dinâmicas temporais variam conforme a própria cultura digital, em constante atualização, sujeita à instan-taneidade das informações, à disputa pela atenção, à potência das viralizações, à efemeridade.

Podemos enxergar o comportamento ansioso das redes sob a ótica de uma “estética do consumo” (BAUMAN, 1999), operada por uma lógica da insuficiência e do esquecimento, na qual as pessoas, sempre em movimento, são estimuladas ao consumo de novidades, à experimentação constante, ao colecionismo de prazeres efêmeros e substituíveis. Na sociedade de consumo, “agir assim é uma compulsão, um must, para os consumidores amadurecidos, formados; mas esse ‘must’, essa pressão internalizada, essa impossibilidade de viver a vida de qualquer outra forma, revela-se para esses consumidores sob o disfarce de um livre exercício de vontade” (IDEM, p. 91). Esta estética do consumo, descrita por Bauman, por sua vez, aponta para uma ordenação da sociedade sob a “forma moda” (LIPOVETSKY, 1989). Nesta sociedade que se organiza em torno da criação de necessidades, e onde a produção e o consumo de massa são regidos pela obsolescência, pela sedução e pela diversificação, produtos são despadronizados para multiplicar escolhas e opções, através de customizações em pequenas diferenças combinatórias. Conforme aponta Lipovetsky, desde os anos 1950, as indústrias de consumo alinharam-se abertamente aos métodos da moda feminina, apresentando uma “mesma inconstância formal, mesma obsolescência ‘dirigida’, permitindo tornar prescrito um produto por simples mudança de estilo e de apresentação” (IDEM, p. 164), de forma que a liberdade de escolha seja exercida a partir de conjuntos pré-determinados de possibilidades.

A insuficiência que nos faz querer algo, a sedução que nos faz querer logo, a diversificação que nos fazer querer mais, a obsolescência que nos faz querer o novo, e o esquecimento que nos faz querer novamente, estão refletidos na cultura digital, não apenas no consumo de informação, mas também na ânsia pela participação. Para Lev Manovich (2001), tecnologias como o livro impresso, o cinema e a informatização, cada uma a seu tempo, trouxeram mudanças significativas para além do consumo de informação, influenciando também a maneira como as sociedades se organizam em torno da sua cultura. É curioso notar que a ansiedade produzida pela sociedade de consumo, combinada aos estímulos da Web 2.0 — influência, participação coletiva, colaboração, compartilhamento de experiên-cias e de inteligências — sugere uma cultura de ansiedade na qual o consumo representado pela posse se expande para o consumo da experimentação. Memes de ação popular[1] como o “Desafio do manequim[2]”, “Gangnam Style[3]”, “Harlem Shake[4]” ou “Hadouken[5]”, funcionam como modismos aos quais as pessoas desejam aderir, assim como um novo estilo de barba ou modelo de bicicleta. A constante criação de ferramentas e aplicativos geradores de imagens, através de templates para customização de conteúdos e mensagens, molda-se na urgência do tempo das redes. Estimulada por tal facilitação, a própria utilização de memes de internet como meio de comunicação e expressão, nos mais variados acontecimentos e contextos sociais, de forma popularizada e em massa, demonstra esta estética moda aplicada à cultura. Esta dinâmica ocorre não apenas na cultura digital, mas no próprio ato de comunicarmo-nos em nossa sociedade, tanto no que diz respeito a processos, quanto a temporalidades. A mesma aceleração imposta pela obsolescência programada a reger a sociedade do consumo, dita o tempo de visibilidade e de atenção que daremos a um assunto, dentro e fora das mídias digitais: queremos saber sempre o que vem depois, e logo.